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TEXTOS QUE EXIGEM UMA EXPLICAÇÃO
(O texto que você vai ler a seguir, é um trecho do meu livro DOUTRINAS INTRIGANTES)
Se formos abençoados temos que necessariamente ser ricos?
“A benção de Deus enriquece; e não acrescenta dores” (Pv 10:22- ERC). Uma leitura superficial desse texto pode nos levar a conclusões erradas baseadas em uma lógica pretensiosa vejamos:
A benção de Deus enriquece.
Eu não sou rico.
Logo, não sou abençoado.
O erro deste silogismo está na premissa errada que afirma: “A bênção de Deus enriquece”. A forma correta de entendê-la vai depender da maneira como definimos riqueza. O que significa ser rico?
A chamada “linha da pobreza” é o divisor de águas entre os miseráveis e os que têm condições de ganhar o suficiente para viver tendo ou não um padrão de vida alto. Para a maioria de nós pelo menos, ser rico significa possuir muito dinheiro ou ter muitas posses. É como se o dinheiro fosse tudo o que precisássemos para sermos realizados na vida. Eu achei apropriado o que o escritor Tom Hopkins disse em sue livro O guia oficial do sucesso, sobre “como ficar rico em cinco minutos.”
Ele diz que para conseguirmos esta façanha, tudo o que temos que fazer é reduzir o nosso nível de expectativa e desejos até o ponto em que estejam de acordo com o que podemos obter e dessa maneira faremos o que quisermos com as nossas vidas. “Faça esse pequeno ajuste em sua maneira de pensar e pronto! Você chegará lá [...] Sem brincadeiras, isto é realmente o que significa ser rico.” 7 Porém, como cristãos sabemos que falta um ingrediente fundamental em sua receita: A benção de Deus. É aqui que a afirmação do escritor dos provérbios faz sentido. Ele não está dizendo que a benção de Deus na vida de uma pessoa vai torná-la financeiramente rica sem que esta pessoa passe por dificuldades ou por sofrimentos. A afirmação de Pv 10: 22 pode até parecer ambígua, isto é, pode parecer que o escritor esteja afirmando duas coisas ao mesmo tempo de forma que nós poderíamos escolher a que achássemos mais conveniente. Vejamos:
“A BENÇÃO DE DEUS enriquece”. “A bênção de Deus ENRIQUECE”.
Note que no primeiro caso o destaque está sobre a bênção de Deus, pois a ênfase está sobre a expressão “A BÊNÇÃO DE DEUS”. Já no segundo caso o que está em destaque é a riqueza, pois a bênção de Deus “ENRIQUECE”.
Porém, o texto não é ambíguo, esta segunda ênfase é dada pelo leitor ao interpretar o texto
Uma pessoa recebe cem vezes mais quando se torna crente?
Uma pessoa pode chegar à conclusão de que receberá cem vezes mais em bênçãos materiais quando larga tudo por amor a Cristo. É óbvio que Deus pode fazer isso com quem ele queira, mas isso não é uma regra, como se tivesse que, necessariamente acontecer na vida de todos, tomando por base o texto de Mt.19:29. O que Jesus quis dizer com isso?
Cito as seguintes possibilidades de se interpretar esse texto:
1- Jesus pode ter falado figurativamente referindo-se as muitas “bênçãos espirituais” que hão de ser atribuídas aos seus fiéis.
2- Ele pode está se referindo ao novo ambiente, à nova família, aos novos irmãos que em número bem maior fazem parte da igreja de Deus. O crente ganha novas relações humanas e divinas (At.2:44-47; 4:32-35; Rm16:13).
Nada tem a ver com prosperidade material, não é promessa de riqueza. Se fosse uma regra, quantos não iriam querer se tornar crentes? Afinal seria um grande investimento, se não o melhor. Se de fato Jesus estivesse prometendo retribuir materialmente cem vezes mais, então deveríamos levar em conta o seguinte:
- 100 casas para quem deixou sua casa;
- 100 irmãos para quem deixou seus irmãos;
- 100 pais para quem deixou seus pais;
- 100 mulheres para quem deixou sua mulher;
- 100 filhos para quem deixou seu (s) filho (s);
- 100 terras para quem deixou sua terra.
Porém o que encontramos normalmente é crentes “sem-terra”, “sem-filho”, “sem-mulher”, “sem-pais” e “sem-teto”. O que teria acontecido, Jesus mentiu? Não. Estas coisas não acontecem, porque ele de fato não prometeu isso literalmente como muitos pensam. O que muita gente ainda não sabe é que a Bíblia foi escrita em sentido “figurativo” e “simbólico” de forma que devemos procurar entender o texto conforme a linguagem empregada pelo personagem ou pelo escritor. Ignorar isso incorre em erro grave. O texto de Mt 19:29 não deve ser entendido de forma literal, mas figurativo porque Jesus está usando uma figura de linguagem conhecida em nosso idioma como hipérbole. É isso.
E quanto a vida com abundância que ele prometeu?
“O ladrão vem somente para roubar, matar, e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10:10).
Se Jesus estivesse se referindo exclusivamente à vida financeira, as bênçãos materiais, então teríamos que admitir que muitos crentes não receberam a tal vida, entre eles podemos citar Pedro, Tiago, Paulo e todos os crentes pobres da igreja primitiva que são citados nas cartas do NT, sem falar nos que ajudaram a construir os mais de 2000 anos de história da igreja, incluindo os cristãos pobres de hoje.
Observe, Jesus disse que o Diabo “veio para roubar, matar e destruir”. Mas, note bem como ele é o "príncipe deste mundo" (Jo 14:30), e o “deus deste século” (2 Co 4:4), ele domina também o sistema financeiro em muitos lugares não acha? Podemos, portanto, presumir pelo modo como ofereceu a Cristo “todos os reinos deste mundo” (Mt 4:8) que ele não veio para roubar exclusivamente dinheiro, muito embora ele possa investir contra a vida financeira do crente (Jó 1:12;2:1-22). Ele quer furtar a alma do homem. Ele quer matá-la (do grego thuor), isto é, abater para alimento. O Diabo é uma entidade espiritual que quer se alimentar do que há na alma humana.
Observe também, que primeiramente Jesus diz que veio para que tenhamos vida. Mas já estávamos vivos quando nos convertemos, então ele não pode estar se referindo à vida física.
Ele refere-se à vida espiritual, a qual é recebida no ato da conversão (Jo 3:3,5,6; Ef.2:1-5). A palavra “Zoe”, que é traduzida em nossas Bíblias pela palavra “vida” em Jo 10:10, significa apenas vida espiritual. Trata-se de vida espiritualmente plena ou espiritualmente abundante. Existem portanto, interesses contraditórios no mundo espiritual. Enquanto Jesus quer dar vida espiritual ao homem o Diabo quer roubá-la matá-la e destruí-la.
O que João quis dizer com “que te vá bem”, ou, “que prosperes”?
O que João está dizendo nesta passagem é: “Querido amigo, estou orando para que tudo esteja correndo bem aí e que o seu corpo esteja tão sadio como eu sei que a sua alma está” (Bíblia Viva). Todas as outras versões concordam com essa idéia.
A idéia de prosperar financeiramente só é alimentada aqui porque a palavra “prosperar” aparece em algumas versões. Na verdade, entre as 11 versões consultadas, apenas 3 delas trazem a palavra prosperar neste versículo, são elas a ARA, a BJ e a TNM. Contudo, citarei as palavras de dois grandes homens, um com vasta experiência acadêmica que é o Dr. Gordon Fee e o outro que por muitos anos pregou e ensinou a doutrina da prosperidade com muita veemência até que reconheceu que estava totalmente equivocado, o Pr. Jim Bakker. Não importa o que ele fez antes de ser preso como afirma em seu livro. O fato é que reconheceu que errou e se arrependeu por isso, ainda que na prisão.
Fee diz:
“Esta combinação de desejar que tudo “ocorra bem” e fazer votos de “boa saúde” para o destinatário era a maneira padrão de saudar uma pessoa numa carta na antiguidade. Esticar o desejo expresso por João para com Gaio de modo a que se refira a prosperidade financeira e material para todos os crentes em todas as épocas... é abusar do texto” (apud: Dave Hunt)8
Fee, é um excelente professor de hermenêutica e autor do livro Entendes o que lês?
Bakker diz:
“Além da incidência em João 3:2, a palavra euodoo é usada apenas duas vezes no Novo Testamento, e em nenhuma das ocorrências faz qualquer referência a grandes quantias de dinheiro, a riquezas ou a ganho material [...] Trata-se de uma saudação, um desejo que o apóstolo expressou em forma de oração, não um princípio sugerindo que os cristãos deveriam ser ricos.” 9
Conclusão: Este versículo não serve mesmo para fundamentar a doutrina da prosperidade. Tais palavras não passam de uma saudação.
O dinheiro é a resposta para tudo?
É isso o que muitos pensam quando se deparam com o texto de Eclesiastes que diz: “Para rir se fazem convites, e o vinho alegra a vida, e por tudo o dinheiro responde” (Ec 10:19 ERC).
Já ficou provado que para entendermos determinados textos da Bíblia precisamos às vezes apenas de uma versão em linguagem contemporânea, como a NVI, BV ou NTLH. Na NVI, este texto é traduzido da seguinte forma: “O banquete é feito para divertir, e o vinho torna a vida alegre, mas isso tudo se paga com dinheiro.”
Na Bíblia Viva consta: “A festa nos deixa alegres, a bebida nos deixa felizes e o dinheiro compra qualquer coisa.”
Já sabemos que precisamos de dinheiro, realmente, para custear as despesas da vida. Até os momentos prazerosos desta vida tem um custo, pois sem dinheiro ninguém faz nada. Qualquer pessoa com um pouco de instrução sabe o que o texto acima está dizendo. Mas o texto não diz que o dinheiro é tudo, nem que é a resposta pra tudo. A felicidade, por exemplo, não depende essencialmente dele.
Pode-se comprar a companhia de uma mulher com o dinheiro, mas nunca o seu verdadeiro amor. Pode-se comprar o colchão mas nunca o sono. Pode-se comprar um sorriso, mas nunca a felicidade e assim por diante. Simão tentou adquirir os dons do Espírito com dinheiro mas não conseguiu; diga-se o mesmo da salvação, ninguém poderá reivindicar um lugarzinho no céu mesmo tendo usado o seu dinheiro para ajudar a obra, porque nesse caso o redentor da alma seria o dinheiro e não Jesus, precisa tornar-se o seu discípulo através do processo de conversão genuína pelo evangelho.
Por fim, Todos esses textos que nós acabamos de analisar já existiam desde que Deus os inspirou e durante toda a história da igreja nunca foram interpretados como querem os adeptos da doutrina da prosperidade em nossos dias, como se eles tivessem recebido uma “nova iluminação” que os outros cristãos não tiveram, principalmente aqueles, cujas vidas nos servem de inspiração e exemplo; homens tão santos que o mundo não era digno de ter.
Deus não está alheio a nossa situação, mas nós somos produtos do meio em que vivemos, limitados e atingidos pelas circunstâncias da vida que em muitos casos podem nos privar de coisas que gostaríamos de ter. Isso faz parte da realidade da vida. Pense sobre isso.
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8. HUNT, Dave. Escapando da sedução, P. 77.
9. BAKKER, Jim. A Doutrina da prosperidade e o Apocalipse, Págs. 61, 62.